segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Para os papagaios e outros camaleões da crise que se esquecem do Homem

Ora o primeiro aspecto a reter é que, embora uma parte tão grande do mundo seja criada pelo homem, raramente pensamos nela enquanto tal e, neste sentido, somos alienados dos nossos produtos. Mais, temos tendência a tomá-los como adquiridos. Pensem na história da engenharia que foi necessária para que saia água limpa quente e fria das vossas torneiras. No entanto, só damos conta disso quando o abastecimento tem o desplante de falhar. A mistificação fica completa se pensarmos em como tão poucos de nós têm ideia de como funcionam electrodomésticos perfeitamente vulgares. Qual de nós pode honestamente dizer que compreende como funciona o seu frigorífico, mesmo quando isso lhe foi explicado? Nós, seres humanos, criámos um mundo que simplesmente não compreendemos; somos estranho no nosso próprio mundo.
Mas estes produtos não só nos deixam perplexos como chegamos a ser dominados por eles. (...) somos alienados durante a produção. A tecnologia da linha de montagem é a principal culpada. Mas quem inventou esta tecnologia e quem a construiu? Fomos nós. É portanto um exemplo de um produto que nos domina.
Mas a ideia de dominação vai muito mais fundo. Peguemos na ideia batida de que "não se pode lutar contra o mercado". Acostumámo-nos à ideia de que existem coisas como as "leis do mercado" e se as ignorámos fazemo-lo por nossa conta e risco. É tão provável acabarmos em desgraça como se ignorarmos as leis naturais - da gravidade, do magnetismo e por aí adiante. (...)
A lição a tirar é a de que a economia capitalista torna racionais algumas formas de comportamento, e torna outras irracionais. Assim, é melhor fazer o que mercado ordena, senão fica-se em apuros. Deste modo, damos por nós dominados pelo mercado. Mas o que é o mercado? Apenas os efeitos acumulados de incontáveis decisões humanas sobre produção e consumo. É, então, um produto nosso. Daqui conclui-se que, mais uma vez, passámos a ser dominados pelo nosso próprio produto. E mesmo sendo o nosso produto, ele não está já sob o nosso controlo. Quem quer, por exemplo, que haja um crash na bolsa? Mas acontece, de tempos a tempos, como consequência indesejada das nossas próprias acções individuais, cada uma das quais pode ter parecido perfeitamente racional nas condições em que foi feita. (...) Como diz Marx, experimentamos a "dominação completa da matéria morta sobre os homens".


in Porquê ler Marx hoje?, Jonathan Wolff

1 comentário:

D. disse...

hum... depois podias emprestar-me este livro um dia destes... :)