terça-feira, 29 de setembro de 2009

"(...) a confissão tornou-se, no Ocidente, uma das técnicas mais altamente valorizadas para produzir o verdadeiro. Tornámo-nos, desde então [Idade Média], uma sociedade singularmente confidente. A confissão difundiu longe os seus efeitos: na justiça, na medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na ordem mais quotidiana e nos ritos mais solenes: confessam-se os crimes, confessam-se os pecados, confessam-se os pensamentos e os desejos, confessam-se o passado e os sonhos, confessa-se a infância; confessam-se as doenças e as misérias; as pessoas esforçam-se com a maior exactidão por dizer o que há de mais difícil de dizer; confessam-se em público e privado, aos pais, aos educadores, ao médico, àqueles que amam; a si próprias fazem, nos prazeres e nos desgostos, confissões impossíveis a qualquer outro, e com que se fazem livros. As pessoas confessam - ou são forçadas a confessar. Quando não é espontânea, ou imposta por qualquer imperativo interior, a confissão é extorquida; localizam-na na alma ou arrancam-na ao corpo.
(...)
Daí, sem dúvida, uma metamorfose na literatura: de um prazer de contar e de ouvir, que estava centrado na narração heróica ou maravilhosa das "provas" de bravura ou de santidade, passou-se para uma literatura ordenada à tarefa infinita de fazer erguer do fundo de cada um, entre as palavras, uma verdade de que a própria forma da confissão faz cintilar como sendo o inacessível. Daí também esta outra maneira de filosofar: procurar a relação fundamental com o verdadeiro, não simplesmente em si próprio - em qualquer saber esquecido ou num certo vestígio originário -, mas no exame de si próprio, que revela, através de tantas impressões fugitivas, as certezas fundamentais da consciência.
(...). já não a entendemos [a confissão] como o efeito de um poder que nos constrange; parece-nos, pelo contrário, que a verdade, no mais secreto de nós próprios, não "pede" outra coisa senão fazer-se luz (...).

Michel Foucault, História da Sexualidade I - A Vontade de Saber

(negritos meus)

3 comentários:

Street Fighting Man disse...

boas estocadas. vou refleectir neste post e depois faço um comentário decente lol

Francisco disse...

ok ok... fico à espera! :)

Duarte Canotilho disse...

(Passo a publicidade, passa pelas Termopilas a ver o texto sobre o ataque as instituições da FDUP)