domingo, 18 de maio de 2014

amor/amei

Há uma dissonância essencial entre o tempo-substantivo (a passagem do tempo) e aquilo a que estamos habituados chamar de tempos verbais (tempo-verbo, neste sentido). Entre, portanto, um elemento da ordem do ontológico e outro da língua e da gramática. Podemos tentar adulterar a realidade mexendo nos tempos verbais: se quisermos acreditar que já ultrapassámos determinado acontecimento, podemos utilizar o pretérito (o perfeito para os mais convictos, o imperfeito para os titubeantes). Disse "tentar": o truque na formulação temporal do verbo não muda, na verdade, os substantivos, ou seja, a realidade. Assim é - daqui sobressai, límpida, a dissonância - precisamente porque os substantivos - novamente: a realidade - só se alteram verdadeiramente com a passagem do tempo (a dor pela perda de alguém, por exemplo). Caímos frequentemente no erro de recorrer aos tempos verbais como método artificioso de superar as tristezas, sem percebermos que o peso dos substantivos - esses, sim, o problema - deve ser combatido com outras armas.

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