quinta-feira, 31 de março de 2016

Não é que nunca tenha acontecido antes (sobretudo, suspeito, com a minha mãe), mas, ultimamente, é quase sempre assim. A minha avó conta-me o essencial dos últimos tempos e depois pergunta-me pelo essencial da minha vida. Quase sempre por esta ordem. Mas isso irrita-me e quero fazê-la perceber que não temos que fazer telefonemas para cumprir requisitos mínimos ou objectivos. Por isso, desenvolvo a conversa, conto-lhe episódios mais curiosos que me aconteceram, falo-lhe do meu irmão, sublinho qualquer coisa que comi há dias e me soube muito bem, pergunto-lhe pelas galinhas. Mas, nesse momento, ela corta-me a palavra, já lhe noto a voz embargada pela irredutível distância, física e geracional, que nos separa (e a que ela atribui, infelizmente, um peso que eu não reconheço), e despacha-me. Sim, sim, então olha, beijinhos, que tudo te corra muito bem (como se só voltássemos a falar para o ano...). E o telefonema cai. Sei que lhe custa desligar, mas também sei que lhe custa ainda mais saber que está ali (porque quer, é certo), afastada de tudo e todos, numa casa enorme, outrora cheia de gente, agora apenas uma câmara de memórias. Por isso, despede-se à pressa, pousa o telefone, prefere não me ouvir para não ter que constatar o quão está afastada da vida dos filhos e dos netos. Joga estoicamente à defesa e eu não a censuro.
 
Ao fim da tarde, o meu avô chegará dos armazéns. Jantarão qualquer coisa cá em baixo (já não tem netos a correr pela casa e a quem fazer aquelas deliciosas batatas fritas que nem a minha mãe sabe reproduzir) e depois, no andar de cima, sentar-se-ão os dois na salinha à esquerda (em tempos o quarto da Titi...), cada qual numa das poltronas cinza com uma manta pelos joelhos. Espero que concordem no programa que querem ver; é uma chatice quando o meu avô prefere ir ver o futebol para a sala ao lado.

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