quarta-feira, 22 de junho de 2016

no jardim

Quando vou correr (disse "correr", não vestir toda uma indumentária de "running" acompanhada de headphones e de um aparelho para contabilizar o número de inspirações, expirações, batimentos cardíacos e outras informações que tais), dá-se, frequentemente, um momento pelo meio do percurso que quase sempre me interrompe a passada e exige um compasso de espera. Ao contrário do que é habitual, porém, este percalço não me causa irritação. Ainda a subir a rampa em direcção ao lago, avisto, ao longe, uma mancha branca ora imóvel, ora num movimento lento indecifrável. Vou-me aproximando cada vez mais e, a certa altura, tenho mesmo que a contornar. São os noivos e o respectivo fotógrafo a ensaiar poses para a câmara. Sentados no lago, ao lado das japoneiras, das tílias ou das palmeiras, nos banquinhos solitários ou nas escadinhas de pedra daquele jardim que, para minha felicidade, se conserva tão belo quanto recatado. Em breve, talvez dali a umas semanas, estarão rodeados de dezenas de pessoas, muitos fatos e vestidos, sorrisos, palmadinhas nas costas, palavras de incentivo de ocasião. Mas ali, naquele momento, sozinhos e sem ninguém  ao redor para agradar nem convenções para cumprir, ali onde o entusiasmo do amor convive com o eterno embaraço de tirar fotografias de acordo com todo um código cénico, é como se eu tivesse um acesso secreto aos preparativos, como se estivesse na antecâmara do grande dia observando a montagem do espectáculo: as luzes, os fios, o guarda-roupa, o décor. Normalmente, vejo genuína felicidade nos seus rostos e, sentindo-me uma testemunha privilegiada dos acontecimentos, fico a pensar: quantos deles continuarão juntos depois de tudo isto? Por quanto tempo? Lembrar-se-ão desse dia em que tiraram aquelas fotografias no jardim? Não sei porquê, mas, nestes momentos, também penso na minha vida e revejo umas quantas mulheres com quem estive. Mas as minhas pernas têm de continuar a correr; correm como se eu não as controlasse, até que passarão por outros casais, agora de namorados, miúdos sem nada para fazer à tarde senão namorar com o jardim e o rio ali ao lado como companhia. Penso: não são nada diferentes dos noivos que vi há pouco.

Continuo a correr, até que há-de chegar o momento em que um ou outro pavão, que os guardas do parque têm a bondade de soltar pelo fim do dia, me aparece de repente pelo caminho. Assusto-me quase sempre e depois sorrio. Acho que correr é a solução para quase tudo. Ou para tudo mesmo.

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