sexta-feira, 15 de julho de 2016

Nice

Tinha jantado fora, junto ao rio, numa mesinha da esplanada de um restaurante muito agradável. A seguir, fui a um festival de cinema. Ver filmes, discuti-los, encontrar conhecidos, fumar um cigarro e beber uma cerveja, trocar meia dúzia de impressões. Vim despreocupadamente para casa. Estava quase a adormecer quando oiço um casal meu amigo que ia ficar a dormir em minha casa a entrar silenciosamente. Fui à porta, um abraço grande, como estás, estejam à vontade, amanhã acordo cedo mas vocês estejam à vontade, o que precisarem, bom casório. Volto para o quarto e, antes de me deitar, dou tranquilamente uma volta pelas notícias, fico a saber do que se passa em Nice.
 
O que as pessoas estavam a fazer em Nice era exactamente o que eu fiz na noite passada: conviver e divertir-se com as pessoas de quem gostavam, gozar em liberdade da comida, do vinho, do tempo, daquilo a que nos acostumámos a chamar "as coisas boas da vida". Por isso é que a barbárie de Nice é a barbárie das nossas casas, das nossas ruas, por isso é que as pessoas mortas em Nice são também as pessoas com quem estive ontem à noite. Morremos todos ontem; saibamos nós que a ressurreição se faz pela persistência, pela bravura ingénua e indefectível de continuarmos a praticar o prazer e o riso.

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